Passar
na Universidade de São Paulo (USP) tendo estudado em escola pública já é
difícil - apenas 28% dos aprovados deste ano vieram do sistema público.
No curso mais concorrido da instituição, as chances caem. O que dizer
então de ser o primeiro colocado na carreira que tinha o maior número de
concorrentes por vagas? Foi o que fez Matheus Fidélis da Cunha, um
jovem mineiro de 18 anos que obteve que a primeira colocação no curso de
Engenharia Civil do campus São Carlos, o mais disputado na última
edição da Fuvest, com uma relação de 52,27 candidatos por vaga.
Nascido na pequena Guiricema, de 8.700 habitantes, situada na Zona da
Mata mineira, a 310 quilômetros de Belo Horizonte, Matheus da Cunha teve
toda sua formação no ensino público. Na Fuvest, o vestibular da USP,
ele contou com pontos de bonificação na nota proporcionados pelo Inclusp
(Programa de Inclusão Social da USP).
Criado em 2006, o Inclusp ainda não conseguiu elevar significativamente o
percentual de calouros procedentes do ensino público na universidade. O
aumento registrado neste ano veio depois de dois anos de queda e não
foi suficiente para retomar o patamar de 30% alcançado em 2009. O índice
de 2012 (28%) é pouco superior aos 26,7% registrados em 2005, quando o
programa de inclusão ainda não existia.
Dados divulgados pela USP mostram que a procedência escolar do aluno tem
relação com a renda familiar: em geral, os estudantes vindos das
escolas públicas tem renda mais baixa. No Inclusp, os alunos com renda
familiar mensal na faixa de três a cinco salários mínimos representam
28% e formam o maior grupo entre os beneficiados. Na média geral dos
calouros da USP, os que estão nessa faixa de renda representam somente
19%.
A trajetória de Matheus mostra uma sequência de bons resultados
fundamentados pela educação pública. Em sua cidade natal, ele estudou na
escola estadual Galdino Leocádio, da 1ª até a 5ª série; e na escola
estadual Prefeito Antonio Arruda, o restante do fundamental. Segundo o
campeão da Fuvest, a escola Antonio Arruda é uma referência regional. “O
colégio funciona como um polo da região. Lá, para conseguir estudar da
manhã, tem que ter as melhores notas. Se você tirar nota pior, se
bombar, cai para o turno da tarde. E quem é da tarde, com a melhor nota,
vai para a manhã”.
Primeira mudança: de Guiricema para Viçosa
Ainda na 8ª série, o bom desempenho escolar e a vontade de alçar voos
maiores fizeram Matheus sair de Guiricema. Por seis meses, ele ia de
ônibus, no período da tarde, à cidade vizinha de Visconde do Rio Branco
onde fazia um cursinho preparatório para o processo de seleção do
Coluni, o Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Viçosa.
Aprovado para entrar no colégio, mudou-se em 2009 para Viçosa, cidade
mineira de 72 mil habitantes, a 42 quilômetros de Guiriçema.
Nos últimos quatro anos, o Coluni obteve a posição de melhor escola
pública do país no ranking do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
Além disso, tem sido a única pública a permanecer entre as dez melhores
do país, infiltrando-se entre as escolas privadas mais bem avaliadas. Em
2009, ficou em oitavo lugar. Em 2010 e 2011 foi a nona melhor
instituição.
Foto: Arquivo pessoal Gincana no Colégio Coluni, de Viçosa, o melhor público do País
Os colégios de aplicação mantidos por universidade federais no país
contam com uma estrutura difícil de ser alcançada pelas escolas
estaduais, mas podem, ainda assim, servir como modelo para os sistemas
de ensino administrados pelos governos dos estados. No Coluni, por
exemplo, os professores trabalham em regime de dedicação exclusiva. “O
colégio não é focado somente no vestibular. Eles dão a matéria muito
aprofundada nos três anos. Chegam a dar conteúdo que a gente tem na
faculdade. As provas são baseadas em questões da Fuvest e de outros
vestibulares. Tem um grande mérito dos professores também porque a
grande maioria tem mestrado e doutorado. Eles ficam o dia todo no
colégio e tiram dúvidas dos alunos fora do horário de aula”, conta
Matheus.
De Viçosa para Engenharia na USP de São Carlos
Ele chegou a São Carlos com maturidade para encarar a vida
universitária. “A gente amadurece muito no Coluni. Não existe uniforme,
não existe horário para você entrar e sair do colégio, então você passa a
controlar seu estudo, passa a ter mais responsabilidade. Você pode
chegar na hora que quiser, como se fosse uma universidade. Só não pode
interromper uma aula”, descreve. “Outro benefício: quem estuda no
colégio tem direito a tudo o que a universidade oferece. Tem livre
acesso à biblioteca, pode pegar qualquer livro, tem direito ao
restaurante e às áreas esportivas da universidade.”
Pelo bom desempenho no colégio, Matheus recebeu ofertas de bolsas de
estudo dos cursinhos particulares de Viçosa. Aceitou uma delas e, por
seis meses, em paralelo ao terceiro ano do Ensino Médio, frequentou um
cursinho pré-Enem na cidade. “Mas nunca deixei de sair com meus amigos
no fim de semana. Porque só estudar acaba te desgastando demais”,
ressalva o estudante, que gosta de jogar futebol.
1º também na UfsCar e na UFJF
Com facilidade nas disciplinas de exatas e fascínio por obras civis de
grande porte, ele escolheu o curso de Engenharia Civil em todos os
processos seletivos universitários de que participou. Além da USP, o
jovem mineiro ficou em primeiro lugar na UFSCar (Universidade Federal de
São Carlos) e na UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora). Foi o
quinto colocado na Unicamp e na UFV (Universidade Federal de Viçosa) e
também passou na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
“Esperava passar em algumas universidades, mas em primeiro lugar jamais,
principalmente na USP. Você fica naquela expectativa de passar e na
hora vê que deu certo e ainda em primeiro lugar. Foi muita felicidade.”
Claro que Matheus não é um caso isolado de aluno do Coluni com êxito nos
processos seletivos das universidades. “O Coluni tem um índice de
aprovação gigantesco, beira os 90%. E é muito raro um aluno de lá fazer
faculdade particular. Todo mundo foca nas universidades públicas”, diz o
estudante.
Comemoração, dúvida e receita
Depois do êxito nas provas de importantes universidades do país, o
garoto prodígio foi festejado em Guiricema. “Acho isso incrível na
cidade pequena: as pessoas podem não ter parentesco nenhum com você e
ficam felizes. Ganhei um cartaz do pessoal. Fizeram um banner, uma faixa
falando das aprovações, parabenizando. E não são familiares. Todo mundo
que me via dava parabéns.”
Com tantas aprovações, bateu a dúvida sobre onde fazer faculdade. Chegou
a fazer matrícula na Federal de Viçosa. Depois, matriculou-se na USP
São Carlos sem ter certeza de que viria para o interior paulista. Pesava
a favor de Viçosa a proximidade da família e de amigos, mas acabou
optando pela USP. “O diferencial para eu escolher a USP foi a
expectativa de oportunidades de intercâmbio e trabalho. Também peguei
conselho com um professor da Federal de Viçosa que fez pós-graduação
aqui. Ele falou que o curso da USP era mais desenvolvido. E a voz de
quem estudou nas duas universidades pesa bastante.”
Para o futuro engenheiro, a receita para melhorar o ensino público do
País tem dois ingredientes essenciais: a valorização do professor e a
utilização de bons materiais didáticos. Se as escolas puderem contar com
estrutura tecnológica, melhor ainda. “É absurdo um professor ter de dar
aula em três escolas para conseguir acumular alguma renda. Eu vi no
colégio que dá certo o professor ficar em tempo integral. Se isso
acontecesse em todas as escolas, já seria uma melhoria incrível porque o
professor teria tempo e poderia oferecer mais aos alunos.”
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